quarta-feira, 15 de abril de 2009


Queridos Amigos,
Sempre quando vou dar uma palestra em Wokshops de Arte, ou numa Escola, Oficina ou curso de Teatro e que vou falar diretamente com jovens intressados a começar na dura profissão de ator, leio esta carta que a construi baseado na minha história dentro do teatro e que li depois de algum tempo, para os alunos das escolas de teatro do meu amigo Lucca Di Steffano em Florença e Roma no meu primeiro dia de aula em janeiro 2009, onde estou lecionando as matérias de interpretação e improvisação, em substituição ao meu querido amigo, que se recupera muito bem de um câncer, mas vamos ao que interessa. Fui convidado para conversar com vocês sobre o ator; sei que muitos aqui jamais pensaram em representar, e outros deram apenas os primeiros passos neste caminho labiríntico que é o mundo da interpretação. É uma tarefa que exige de mim sensibilidade e coragem; acho uma grande responsabilidade falar aos jovens, e é com muita emoção e prazer que passo adiante as humildes sementes do meu trabalho artístico, com a esperança de que alguma utilidade possa ser encontrada nelas e que de alguma maneira elas possam lhes tornar a caminhada menos solitária e mais solidária, na medida em que esta receita muito pessoal provoque dúvidas e reconsiderações, ou toque o sagrado dentro de cada um de vocês, ou reacenda aquela esperança cega que Prometeu garantiu ser a conquista mais urgente para a sobrevivência do homem neste planeta.
O grande poeta e dramaturgo alemão Büchner escreveu numa cena de sua peça "Woyseck": "Cada ser humano é um abismo e a gente tem vertigens quando se debruça sobre um deles." Acho que nós atores somos duplamente esse abismo-espelho: como seres humanos e como artistas. Nossa missão é provocar vertigem e o revisionamento do abismo dentro de cada espectador, para que depois de cada mergulho em nossas personagens-propostas essas pessoas pensem, questionem, se emocionem, compreendam e amem com nova e maior intensidade, pois todos os fatos refletem como um espelho. Eu, José Eudes, ator, diretor, produtor, arte-educador e artista de teatro, 35 anos de profissão, e séculos e mais séculos de um longo período de uma Europa velha voltada para a arte, ofereço a vocês com apaixonada humildade, disciplina e generosidade o meu pequeno aprendizado nesta caminhada em cima das brasas sem se queimar que é a condição necessária para poder representar e viver com algum significado no meu bizarro país sul-americano, porém rico de atores, dramaturgos e artistas.
(...) O CÁLICE
Interpretar para mim é a possibilidade que me foi dada de me comunicar com o meu semelhante através de uma troca de idéias, imagens, palavras, gestos e emoções. Um divertido, fascinante, e muitas vezes cruel jogo que mistura ficção e realidade, consciente e inconsciente, sagrado e profano, amor e ódio, vida e morte. Uma Paixão Visceral. Através dos anos venho elaborando em cima das tábuas o meu trabalho, tentando sempre o difícil equilíbrio entre as conquistas técnicas e a simplicidade da execução. Aqueles instantes, todas as noites, em que interpreto um papel, são sempre os melhores momentos do meu dia. Isso quer dizer que levo para o palco meus sentimentos, minhas idéias, minhas alegrias, meus abismos, meu horror, minha fé cênica e minha luz. Diariamente filtro essas emoções através das necessidades de cada personagem, e recebo de volta para mim mesmo uma nova compreensão de meus problemas - e acrescento a personagem um novo enriquecimento conseguido "à quente", quer dizer, arrancado de dentro de mim mesmo do meu forno da paixão pelo o teatro. Com o correr dos anos fui aprendendo a me observar como artista e ser humano, e fui tentando aproveitar em meus desenhos interpretativos a linguagem interior de minha vivência pessoal, para conseguir assim essa difícil união entre arte e vida, que foi sempre a minha grande aspiração. Sempre acreditei que cada ator traz consigo um material fantástico, inimitável e único, muito difícil de ser conservado e desenvolvido nesta nossa era atual brutalizada, massificada e carente de boa arte e porque não dizer de um bom teatro. É um cálice de cristal interior, que deve ser preservado e defendido através de muitos terremotos, muita contrariedade, muita decepção e sensação de abandono, mas com momentos também de enorme luminosidade e clarevidência que quando acontecem recompensam o artista e engrandecem o ser humano. Cada ator é único e inimitável se ele mergulha com honestidade e caráter em si mesmo, e retrata o seu semelhante com generosidade, verdade e paixão. "Somos feitos da essência com que os sonhos são feitos" escreveu Molière, e essa é a melhor definição que conheço sobre o mistério da representação.
O CAVALO
Cada ator tem obrigação de zelar e desenvolver o seu instrumental – sua voz, seu corpo: seu cavalo. Devemos transformar nosso corpo num grande arquivo de imagens com possibilidades de serem utilizadas em nossos futuros personagens; nossa voz deve poder miar, rugir, gemer, uivar, gritar – nossas mãos podem ser galhos de árvores, garras de feras, folhas secas ao vento – nossos pés, colunas de um templo, patas de animais, nosso equilíbrio e condução. Nossos olhos devem poder reproduzir o enigma do olhar da esfinge, da visão da alma e a clareza cristalina de um poema de Brecht. E mais, devemos nos preparar para poder receber com artística mediunidade a alma do mundo, as grandes interrogações do nosso tempo, a voracidade deste universo em constante transformação, pois todo o ator é um mutante. Devemos ser suficientemente fortes para poder reproduzir simultaneamente a maravilha e o horror do ser humano, a criatividade e a autodestrutividade cênica de nós todos, homens, através desta difícil caminhada da vida. O nosso cavalo deve então se preparar para poder assumir todas estas formas, e por isso ele tem de ser constantemente reabastecido e renovado. O cavalo é também o estimulador de nossa energia, o conservador de nosso entusiasmo e de nossa fé; quando as crises vierem (e não tenham dúvida de que elas virão), nada melhor do que trabalhar na fortificação do cavalo, porque no mínimo estaremos crescendo durante a crise, estaremos trabalhando e temperando novas energias, adquirindo novas técnicas, novos conhecimentos. Podem ter certeza de que um bom cavalo torna o ator indestrutível, porque ambos são parceiros eternos.
O FOGO
O fogo através do tempo sempre foi o símbolo vivo da fé, do entusiasmo e da rebeldia; mantê-lo aceso dentro de nós é também um trabalho para a vida inteira. O fogo nasce de um estado de curiosidade natural e instintivo e pode ser desenvolvido através da conquista progressiva de uma cultura geral, de uma observação apaixonada da história do homem, da história de todas as artes, da emocionante história do teatro – e um profundo sentimento de observação do ser humano – aqueles para quem realizaremos nossas mágicas, o nosso público. Esse fogo interno, uma espécie de grande rol central de energia e fé, é uma grande defesa contra a acomodação, e me parece ser a grande mola propulsora da criatividade; devemos estar sempre atentos aos seus chamados, e é preciso não deixar nunca, custe o que custar, esse fogo esmorecer ou se apagar, porque, caso isso aconteça, seremos os artífices de uma arte morta, sonâmbula, medíocre, inútil, feia e resignada para sempre.
O MENINO
A recuperação da liberdade da infância através da vida adulta foi sempre uma das minhas metas; a criança é uma fonte incrível de informação artística - e a criança que nós fomos recuperada através do nosso lado lúdico tão atrofiado pelo correr dos anos – pode nos servir de guia, mas um guia muito especial, que caminha alegre e despreocupado, que sabe descobrir o mágico dentro do cotidiano, intuitivamente. Um grande exemplo da presença do menino dentro de um artista está na figura e na obra teatral de um dos maiores atores do século XVIII Antoine Debussy. "Eu não procuro, eu acho" afirmava o grande ator. E essa fala denuncia o menino que Debussy levava dentro de si, que interpretava com a maior facilidade, respeito e amor todas as peças de Molière, Jean Racine e Voltaire usando como base para a interpretação a carpintaria teatral que ele mesmo desenhou em seus movimentos corporais adquiridos de uma das suas paixões que era a Commédia Dell’Arte (Tanto a Italiana como a Francesa), longos ensaios e mergulhos na experimentação de novos elementos cênicos ou fazia fantástica demonstrações gratuitas ao seu público em praça pública aproveitando os “Motes” das prestes Revolução Francesa que estava para acontecer, orientando, informando, comunicando e acima de tudo educando o povo (Seus conterrâneos) da velha Paris que tanto amava e que acreditava que através de uma “Queda da Bastilha” se poderia ver implantado dentro da cultura daqueles conterrâneos os ideais revolucionários da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. O menino traz alegria e descompromisso racional para o trabalho artístico. No Passeio Público do Rio de Janeiro tem um menino-anjo esculpido num bebedouro (se não me engano de Mestre Valentim) com a seguinte legenda: "Sou útil, ainda brincando". Essa é a lei e a sabedoria dos meninos. Acho que preservando o cálice, domando o cavalo, estimulando o fogo e soltando o menino, o artista está preparado para viver e criar uma vida bela e uma obra útil para a coletividade de uma nação e suas inúmeras gerações. Muito obrigado e MUITA M para todos voces, que tem a nobre missão de: Informar, comunicar e educar através da arte e desta simples profissão de "Ator"!
Merda para todos voces!
José Eudes

3 comentários:

  1. Merda Merda Merda!

    Belo post seu inaugurando casa essa,a geografia de sua alma cênica,mesclado de mel,arte,perseverança e intenso amor pelo teatro e pela Vida!

    Toco pés seus,

    Mano Meu!

    Viva Vida!

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  2. Obrigado querido Calmon, vindo de voce tem um peso e responsabilidade muito grande amigo mestre.

    Paz & Bem!

    Abração.

    Eudes

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  3. Olá amigo... Passei para lhe avisar...
    Tem um presente para você no meu blog - dá uma olhada lá http://dulcenyz.blogspot.com/2010/02/premio-dardos.html

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